Vou começar me justificando, apesar de não ser necessário, mas desde quando iniciei essa leitura algumas pessoas me olharam atravessado pelo conteúdo que o livro trazia. Antes de escolher a área de Comunicação, pensei em cursar Direito, trabalhar na área Penal, sempre achei extramente interessante a forma que os detalhes vão se encaixando até se desvendar um crime, os fatos que levaram os envolvidos a chegarem até ali, a forma que os profissionais trabalhavam para desenvolver uma linha de raciocínio que refutassem qualquer mentira.
Porém, com o tempo, percebi que nem tudo era justo e ético, dinheiro e um network poderoso poderia tornar qualquer culpado em inocente instantaneamente, além de diversos outros fatores que parecem estar acima de qualquer código penal, ou da realidade. Hoje, mais do que nunca, nossa justiça está cada vez mais desacreditada e os profissionais do meio precisam ter o estômago cada vez mais reforçado para ver essa enxurrada de absurdos. Definitivamente não tenho estômago preparado para isso, por isso, escolher cursar Publicidade & Propaganda foi a escolha mais acertada que eu poderia ter, o que não me impede de ler sobre investigações e juris. Blz? Blz.
Ilana Casoy é formada em administração e especialista em criminologia, se dedica a análise de perfis psicológicos de assassinos em série e crimes violentos, ganhou respeito no meio e hoje tem permissão para acompanhar alguns casos e colaborar na análise e construção desses perfis. Ilana é escritora e publicou diversas pesquisas sobre o assunto, colaborou em casos reais como o dos Richthofen e dos Nardoni, escreve para o Investigação Discovery e ajuda na construção de personagens para TV.
Resenhar o livro Casos de Família é excluir o lado técnico e apenas sentir, reviver a repercussão dos crimes, relembrar as inúmeras reportagens e especulações, trazer a tona o amargor de acompanhar casos que vão contra a própria família. É descobrir que todo lado podre, tem um lado mais podre ainda, aqueles detalhes e impressões que só quem acompanhou poderia descrever.
Iniciamos a leitura com o O Quinto Mandamento (honrar pai e mãe) - Caso Richthofen. Suzane planeja matar os pais com a ajuda do namorado Daniel e o cunhado Cristian, a herança e a liberdade são os motivos. Os três confessam o crime para a polícia ao serem confrontados, cooperam na reconstituição do assassinato e são condenados.
O que não vimos na TV é a total frieza que o caso foi levado pelos envolvidos, mesmo quando fingiam que não sabiam de nada, o choro sem lágrimas, o churrasco na casa após o assassinato, a preocupação desacerbada pelo dinheiro, a compra de bens, o aniversário no sítio, a diversão pela liberdade conseguida. A polícia conseguiu juntar cada momento de frieza de Suzane e pânico dos olhos dos irmãos Cravinhos para confrontar os suspeitos.
A reconstituição é o momento em que os irmãos Cravinhos percebem o tamanho da bobagem que fizeram e entram em desespero, já Suzane e Andreas (irmão mais novo dela) agem como se nada tivesse acontecido. Andreas é a grande incógnita do caso, ele é frio e se comporta como se nada afetasse ele, como se ele nem conhecesse aquelas pessoas que faleceram, mas deixa claro o tamanho do carinho que ele tem pela família Cravinhos e nada abalou a relação entre eles, nem mesmo o fato deles terem assassinado seus pais.
O julgamento acontece, a promotoria explora todas as leituras que se pode ter sobre o caso, o lado emocional e o puramente racional. A defesa, mesmo com a confissão, tenta provar que alguém influenciou alguém e que o casal eram péssimos pais, mesmo a polícia provando o contrário. Impressionante a falta de empatia do ciclo de convívio da família, talvez o relato mais empático tenha sido da moça que trabalhava na casa. Leitura finalizada com a sensação que ainda existe um lapso no caso, que a polícia nunca conseguiu provar.
A segunda parte traz o Caso Nardoni - A prova é a testemunha. A madrasta em um pico de estresse esgana a enteada e o pai joga a criança do sexto andar do Edifício London para tentar encobertar os maus tratos anteriores. Os acusados nunca confessaram o crime, o prédio não tinha câmeras e ninguém viu o que realmente aconteceu, por isso o livro traz apenas o julgamento, o depoimento dos profissionais que solucionaram o caso, relatando as pistas deixadas no local.
Uma fralda em um balde com água e sabão, um apartamento zoneado, uma folha desenhada em cima da cama, um absorvente usado no meio dos brinquedos, uma tesoura para cortar carnes, gotas de sangue, uma rede de proteção rasgada, uma pegada em cima da cama, tudo era pista para um caso que não tinha testemunhas. A cronologia dos fatos é a prova que nunca existiu uma terceira pessoa na cena do crime, a história do casal não batia com tudo o que tinha sido visto.
A promotoria trouxe diversos profissionais para provar ao juri a sua competência, dando credibilidade aos laudos apresentados, como o especialista em gotas de sangue (o único do Brasil no momento), ou a especialista em reagentes (uma das poucas pessoas que sabiam utilizar o produto). Todos os depoimentos foram contextualizados através de registros telefônicos e fotos do local do crime. A defensoria argumentou usando as falhas nos processos realizados pela polícia, exames que não possuem registro, falta de material para análise, contaminação na cena do crime e a falta de testemunha, afinal, a acusação foi feita baseada em suposições.
Durante a leitura pesquisei o histórico de alguns nomes citados, alguns ganharam visibilidade após trabalharem no caso, ou já eram conhecidos por atuarem em casos de grande destaque, como o Podval, advogado de defesa do casal Nardoni, trabalhou também na defesa do médico Farah (matou e esquartejou a amante, recentemente se matou ao receber a notícia que iria voltar para a prisão).
A leitura é bastante densa e exige momentos de total desconexão, é preciso respirar e esquecer da imagem da Suzane chorando no enterro dos pais, ou do choro da Jatobá na entrevista para o Fantástico. É perturbador perceber que são crimes que acontecem rotineiramente, mas que a mídia só da visibilidade quando acontece em área nobre, com gente branca, com famílias relativamente estruturadas e bem aceitas pela sociedade. O criminoso fugiu do esteriótipo e se apresentou na roupagem de "gente do bem".
A DarkSide fez um trabalho editorial incrível, o livro está magnífico, o cuidado com cada detalhe, o moleskine com a letra e desenhos da Ilana mostrando o que ela sentiu em cada momento, as fotos e os registros anexados aos casos, a capa em alusão ao caderno de anotações, tudo está fantástico. Quero mais DarkSide, quero muito mais!
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