A história de Silvia podia ser real, podia ser atual, podia se passar na África, podia ser sobre o Ebola, podia ser sobre tantos lugares, tantas doenças, tantas carências. Talvez esse seja o motivo do livro Batendo à Porta do Céu comover tanto os seus leitores, sentimos o sofrimento de cada personagem, de cada pedido de socorro, vibramos com cada paciente salvo, porque lá não é lugar de perder tempo chorando os mortos, é terra de tentar salvar os que ainda estão vivos.
RHT - Rural Hospital Trust é um hospital precário de Mysore, sul da Índia, que atende a população mais carente, mantido por doações e ajuda de voluntários, sem material necessário para os procedimentos mais básicos, o RHT vira uma fábrica de salvar vidas, todos tem urgência, cada minuto perdido é uma vida desperdiçada.
Silvia é uma das voluntárias, espanhola, filha de médicos famosos, ela tenta provar para si que é bem mais que uma garota riquinha e mimada que pretende seguir o caminho dos pais. Ela ama a medicina, sabe que nasceu para salvar vidas, mas todos só conseguem enxergar a garota bonita que ela é. Ajudar no RHT é também uma forma de se ajudar, provar para si que ela é bem maior do que os outros dizem, que ela pode e é capaz de fazer a diferença, mesmo que ninguém apoie ela.
Elisabet Roca e Lorenzo Giner são os médicos responsáveis pelo centro, chegaram lá como voluntários, mas quando as suas vidas deram uma balançada, foi lá que eles encontraram o refúgio. A população respeita e admira o trabalho deles, são considerados uns deuses, sabem que nas mãos deles mora a esperança da salvação.
Leonardo também é voluntário e cuida da parte de oftalmologia, prestes a perder a bolsa de estudos e sofrendo de uma desilusão amorosa, ele fica arredio ao mundo e desconta sua frustração em Silvia. É ele que aponta uma realidade bem chocante daquela região, por falta de higiene as pessoas ficam cegas por causa do acúmulo de bactérias, doenças que poderiam ser facilmente tratadas em um hospital com recursos e equipamentos mínimos, o que não é o caso de RHT.
"As vezes é necessário que algo ou alguém nos lembre das coisas, nós dê um empurrão ou nos faça abrir os olhos." Pág 140
Viji é uma garota indiana sem um olho e manca, dedicada e bastante tagarela, sonha com o dia em que poderá se casar, mas devido a sua deficiência os homens não se interessavam por ela. Na Índia a mulher só é respeitada se casar cedo e tiver muitos filhos, e Viji já era considerada velha com seus 18 anos.
Mahendra é um viúvo de casta superior que viu seus filhos e esposa serem engolidos por um lago, vive aprisionado em sua casa preso as memórias de sua família. Ele virou uma lenda na região, todo mundo tem uma história para contar sobre suas excentricidades.
"Aqui o tempo conta na medida em que sirva para alguma coisa, não pela quantidade." - pág 27
Entender a Índia não é algo que se faz em uma viagem de verão, principalmente com olhares críticos de ocidentais, entender a Índia é bem mais profundo que isso, são séculos de histórias, de cores, de deuses, tradições que vão aos extremos em pequenos detalhes. A Índia deve ser sentida, e não analisada, devemos se entregar a magnitude do lugar, ao seu poder modificador.
Fica claro que o RHT é uma fábrica de salvar vidas, as salas de operação possuem uma rotatividade gigantesca, o descartado é reaproveitado pois a urgência é enorme, tudo é assustador, a sujeira, a falta de saneamento, a falta de recursos, o descaso, a fome, tudo é muito gritante, a necessidade de atenção que essas pessoas necessitam é imensa, e a nossa incapacidade é proporcional.
Batendo à Porta do Céu é uma história linda e emocionante, ela mexe com o leitor assim como a Índia consegue transformar seu povo, que apesar de tanto sofrimento e angustias, ainda consegue ter uma vida repleta de cores e estamparias. A Editora Biruta fez um trabalho belíssimo, a revisão está impecável, e a diagramação está uma maravilha, cada detalhe, cada cor, cada estampa consegue dar um ar de esperança a leitura. Recomendo com a ressalva que entrou na lista dos meus livros favoritos. *.*
Jordi Sierra i Fabra é um dos autores infanto juvenil mais lidos na Espanha e América Latina, com mais de 300 publicações e diversos prêmios, Batendo na Porta do Céu recebeu o Prêmio Edebé de Literatura Juvenil com mérito, honra e tapete vermelho.
Mais Informações:
- Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/373273
- Editora Biruta: http://www.editorabiruta.com.br/livro/batendo-a-porta-do-ceu/
- Livraria Cultura: AQUI
"A Índia é poderosa. Ela muda as pessoas. Dos pés à cabeça."