Naquele dia o transito estava enlouquecedor, fazia 20 minutos que o ônibus não saia do canto, um trecho que eu fazia em 5 minutos no máximo. Tirei uma revista da bolsa e usei para sentar em cima, tinha um espacinho nos degraus da porta do meio onde eu poderia usar de assento. Fiquei observando o movimento na rua, as bicicletas passando, as motos usando a calçada de pista, as pessoas conversando.
Uma moça morena olhou para mim e sorriu, perguntou se podia sentar do meu lado e eu assenti com a cabeça. Ela usava um terninho com a marca de um colégio, devia trabalhar na parte administrativa de lá. Tirou um caderno brochura da bolsa e começou a folhear, achou o que tanto procurava e grifou algumas partes, talvez ela estivesse indo para a faculdade, devia fazer algum curso na área administrativa, talvez. Ela devia passar o dia trabalhando e a noite estudando, devia chegar tarde em casa, sem fome, cansada, um sacrifício visando bons frutos, talvez.
O ônibus andou um pouco e parou na frente de um beco, as casas eram todas iguais, estreitinhas, 2 andares, na parte de baixo uma porta após 3 degraus e uma janela, em cima um janelão. Elas eram coladinhas uma na outra, se diferenciavam pelas cores. No meio corria um filete de água vinda do esgoto, onde um bêbado fazia todo o esforço do mundo para pula-lo. A casa da esquina devia ser do rei do beco, ele tinha 2 casas coladinhas, a fachada e o piso estavam ajeitadinhos, no muro que dava para a avenida ele abriu uma lojinha, estava lotada de clientes.
Já fazia 45 minutos que eu estava ali, já dava pra ver que não era acidente, era apenas alguns carros que tinham fechado a via. Olhei pelo vidro e vi um homem andando de um lado a outro dentro de uma oficina, ela estava vazia, não tinha carro, e aparentemente fazia um tempo que não pegava algum tipo de serviço. O homem respirava forte, coçava a cabeça, andava de um lado a outro, parecia preocupado, devia ser o dono da oficina, e as coisas aparentemente não andavam bem, sem serviço, sem grana, o negócio ia mal das pernas, o que ele ia fazer?
Finalmente o ônibus voltou a andar e conseguiu sair daquele engarrafamento, levantei e fiquei encostada na porta até chegar na minha parada. A moça morena continuava sentada lendo e grifando, comecei a me perguntar se ela sempre pegava o ônibus comigo e eu nunca tinha reparado, ou se aquela oficina sempre esteve vazia, ou até mesmo se o rei do beco sempre foi o rei do beco. E tudo faz parte de uma paisagem invisível com um mundo de histórias e sonhos.
.neyara furtado
Às vezes vemos as mesmas pessoas todos os dias, mas não percebemos. Em momentos como esses, em que ficamos parados no mesmo lugar, é que percebemos os detalhes das paisagens e pessoas que nos cercam.
ResponderExcluirLindo texto, beeijos e uma ótima semana (: